Comunicar Ciência: da especialização ao diálogo com o público
A comunicação, na sua essência, começa com um emissor que envia uma mensagem e um recetor que a recebe, conforme estabelecido nos modelos clássicos de comunicação (Lasswell, 1948; Shannon & Weaver, 1949). No entanto, se emissor e recetor não partilharem o mesmo código ou linguagem, a mensagem, por mais clara que seja, não será compreendida. Este princípio é particularmente relevante na comunicação de ciência.
A ciência, pela sua natureza, tende a comunicar-se de forma especializada, estando direcionada primeiramente para um público que partilha um conhecimento prévio de conceitos e metodologias. Isso resulta numa linguagem técnica, que funciona bem entre especialistas. No entanto, nem sempre comunicamos apenas para colegas ou especialistas da nossa área, por isso comunicar ciência implica a capacidade de adaptar o discurso a diferentes audiências (Baram-Tsabari e Lewenstein, 2017).
Comunicar ciência é segundo Burns, O’Connor & Stocklmayer “o uso de competências apropriadas, media, atividades e diálogos” para produzir “respostas pessoais” à informação científica (2003, p. 191). Segundo os autores essas respostas pessoais podem ser agrupadas nas vogais AEIOU: Awareness, Enjoyment, Interest, Opinions e Understanding. A intenção de obter uma resposta significa que a comunicação de ciência não é apenas uma forma de disseminação de conhecimento, mas também um diálogo bidirecional que se pode abrir à participação cidadã (Bucchi & Trench, 2021; Zimmerman, Baram-Tsabari & Tal, 2024).
Pensemos, por exemplo, em explicar o nosso trabalho de investigação a um amigo que não está familiarizado com os conceitos científicos. Conseguimos resumir o que fazemos em poucas palavras? E conseguimos explicar por que o nosso trabalho é importante e o que nos motiva? Se a intenção é despertar interesse e reflexão nos outros, ou seja, que o contacto com a ciência seja motivo de conversa social (Bucchi & Trench, 2021), então esta capacidade de traduzir conceitos complexos em linguagem acessível é essencial.
Mas a comunicação de ciência não é apenas uma simplificação de linguagem, havendo autores que defendem uma comunicação estratégica na ciência (Besley et al., 2018), que é fundamental para o sucesso profissional (Illingworth & Allen, 2016). Para comunicar ciência de forma estratégica, os cientistas devem definir objetivos claros e selecionar táticas adequadas, como participar em conferências, desenvolver a sua presença online ou interagir com jornalistas. O planeamento cuidadoso permite avaliar se uma oportunidade específica oferece o público-alvo e o formato adequado para aumentar a probabilidade de alcançar objetivos estratégicos.
Conhecer a audiência e reconhecer a diversidade de públicos (Scheufele, 2018), é crucial na comunicação de ciência. Entender que existem diferentes níveis de familiaridade com o tema permite adaptar a linguagem e os conteúdos para que a mensagem seja eficaz. Se for demasiado técnica, podemos perder a audiência; se for simplista demais, podemos parecer despreparados ou condescendentes.
De acordo com Dawson (2018), a capacidade de a ciência envolver públicos mais excluídos passa por considerar os seus conhecimentos prévios e expectativas, combatendo as representações científicas que tendem a reproduzir estereótipos sociais. A este propósito, Baram-Tsabari e Lewenstein (2017) identificam o respeito por diferentes visões do mundo como o objetivo mais avançado na formação para a comunicação de ciência (Tabela 1).
Tabela 1: Framework para objetivos de aprendizagem na ciência da comunicação
Nível | Objetivo de aprendizagem |
Básico | Utilizar linguagem apropriada, explicações básicas, evitar jargão, reconhecer conhecimento prévio (ou a sua falta). Selecionar conteúdo adequado, interessante e relevante para a audiência. Incluir informação científica, métodos e implicações. Organizar bem a apresentação, utilizando técnicas pedagógicas como enquadramento e repetição. |
Intermédio | Usar estilo criativo, como humor, emoções, anedotas e referências locais. Desenvolver analogias para explicar tópicos complexos. Usar ferramentas narrativas complexas, como desenvolvimento de personagens e resolução de conflitos. |
Avançado | Reconhecer e respeitar múltiplas perspetivas e visões do mundo |
O contexto do evento também importa (Illingworth & Allen, 2016). Participar numa conferência para especialistas da área é diferente de falar para decisores num contexto político ou empresarial. Em cada situação, exemplos e ênfases devem ser ajustados. Diante de pares podemos focar mais na metodologia, enquanto perante decisores devemos destacar resultados práticos e o impacto social da pesquisa. Em todos os casos precisamos de escolher um ângulo específico, ou seja, um argumento principal assente em evidências empíricas e alguns exemplos ilustrativos. Isso implica resistir à tentação de expor tudo o que sabemos sobre o tema.
Outro ponto crucial é a utilização de recursos visuais. Como escrevem Rodríguez Estrada & Davis “nem todas as visualizações são formas eficazes de comunicar” (2015, p. 3), sobretudo quando são meramente acessórias num PowerPoint repleto de texto. Os cientistas devem por isso questionar previamente o objetivo de apresentar determinada imagem, gráfico, figura, diagrama ou símbolo.
De resto, o foco deve estar no comunicador e nos factos científicos que sustentam a mensagem, reconhecendo que os recursos visuais podem tanto orientar a audiência e reforçar os pontos principais quanto desempenhar um papel central na transmissão da mensagem. Importa, por isso, ter presente que a escolha desses recursos depende não só do seu propósito, mas também do tipo de evento, da composição e tamanho da audiência, das condições técnicas do local ou do tempo disponível.
Uma comunicação científica eficaz, especialmente quando dirigida ao grande público, pode ainda ser estruturada como uma narrativa, definida por Dahlstrom e Ho como “uma sequência temporal de acontecimentos influenciada pelas ações de personagens específicas” (2012, p. 593). A narrativa, ao contrário de uma exposição puramente factual ou técnica, capta a atenção do público ao conectar eventos científicos a experiências humanas ou emocionais.
Assim, para cativar e inspirar, podemos iniciar uma apresentação com uma imagem intrigante, uma citação inspiradora, uma pergunta retórica ou partilhando a nossa motivação pessoal. Embora a narrativa utilize estas técnicas para introduzir conceitos complexos, isso não significa que se afaste do domínio científico. Pelo contrário, a narrativa pode servir como uma ponte, tornando as evidências científicas mais acessíveis e promovendo a reflexão sobre os significados implícitos na ciência.
O mais importante é garantir que o tópico se torna relevante para o público. Se queremos atrair mais pessoas para a ciência, num tempo de crescente desinformação e polarização, precisamos de comunicar melhor. A preparação estratégica dessa comunicação é fundamental para que a ciência não só seja ouvida, mas também compreendida e valorizada.
Referências bibliográficas
Baram-Tsabari, A., Lewenstein, B.V. (2017). Preparing Scientists to Be Science Communicators. In: Patrick, P. (eds) Preparing Informal Science Educators (pp. 437-471). Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-319-50398-1_22
Besley, J. C., Dudo, A., & Yuan, S. (2018). Scientists’ views about communication objectives. Public Understanding of Science, 27(6), 708-730. https://doi.org/10.1177/0963662517728478
Burns, T. W., O'Connor, D. J. & Stocklmayer, S. M. (2003). Science Communication: A Contemporary Definition. Public Understanding of Science, 12(2), 183–202. https://10.1177/09636625030122004
Bucchi, M. and Trench, B. (2021). Rethinking science communication as the social conversation around science. JCOM 20(03), Y01. https://doi.org/10.22323/2.20030401
Dahlstrom, M. F., & Ho, S. S. (2012). Ethical Considerations of Using Narrative to Communicate Science. Science Communication, 34(5), 592-617. https://doi.org/10.1177/1075547012454597
Dawson, E. (2018). Reimagining publics and (non) participation: Exploring exclusion from science communication through the experiences of low-income, minority ethnic groups. Public Understanding of Science, 27(7), 772-786. https://doi.org/10.1177/0963662517750072
Illingworth, S., & Allen, G. (2016). Effective Science Communication: A practical guide to surviving as a scientist. (1 ed.) IOP Publishing. https://doi.org/10.1088/978-0-7503-1170-0
Lasswell, H. D. (1948). The structure and function of communication in society. In L. Bryson (Ed.), The communication of ideas (pp. 37-51). Harper & Brothers.
Rodríguez Estrada, F. C., & Davis, L. S. (2015). Improving Visual Communication of Science Through the Incorporation of Graphic Design Theories and Practices Into Science Communication. Science Communication, 37(1), 140-148. https://doi.org/10.1177/1075547014562914
Scheufele, D. A. (2018). Beyond the Choir? The Need to Understand Multiple Publics for Science. Environmental Communication, 12(8), 1123–1126. https://doi.org/10.1080/17524032.2018.1521543
Shannon, C. E., & Weaver, W. (1949). The mathematical theory of communication. University of Illinois Press.
Zimmerman, I., Baram-Tsabari, A. and Tal, T. (2024). Science communication objectives and actual practices of science news websites as a showcase for gaps between theory and practice JCOM 23(01), A05. https://doi.org/10.22323/2.23010205
Texto por Paulo Couraceiro
Investigador Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade
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